18 de setembro de 2012

Perguntas e respostas sobre a Depressão Pós Parto


Respostas às perguntas da jornalista Karla Peralto para matéria sobre pós parto da revista Guia da mamãe, 1a edição, editora Casadois - 16/02/2011


 
1) Quais os sintomas e motivos para uma Depressão Pós Parto?

Antes de mais nada, gostaria de esclarecer que a depressão pós-parto é apenas uma das condições que podem ser vividas neste período delicado e extremamente rico do ponto de vista das emoções e questionamentos. É normal que uma mulher viva algum sofrimento e precise de ajuda nesta situação onde tudo é tão novo e mobilizador. Infelizmente, muitas das dificuldades ainda são vistas como “tabu”, pela mulher e pela sociedade.

A depressão é uma das expressões humanas do sofrimento. Ela caracteriza o momento quando aquilo que alguém vive perde o sentido, e por isso, este alguém não encontra mais possibilidade de dar encaminhamento à sua vida. Ou seja, aquilo que era em sua vida até então não mais pode ser, e por isso a pessoa em depressão não encontra qualquer possibilidade de ser. Neste sentido, a depressão é a expressão de um modo de ser restrito, “aprisionado”, a um aspecto da vida que não pode mais ser vivido. A própria palavra traz uma imagem desta experiência: Estou num buraco, não vejo saída, e não acredito que isso possa mudar.

A chegada de um bebê implica necessariamente mudanças, é uma experiência intensa, principalmente para a mulher, em que muitas possibilidades de expressão de seu modo de viver, das quais lhe eram familiares, não mais “cabem”, não mais podem ser como eram. É uma experiência que podemos fazer um paralelo a um luto, e na depressão este luto é vivido pela pessoa como “sem fim”. O que diferencia uma depressão pós-parto e uma tristeza legítima ao momento de grandes mudanças é um profundo sentimento de impossibilidade que a mulher vive de seguir adiante, pois aquele aspecto de sua vida “morreu”, então, ela morre junto. Uma forma direta de enxergar isto, ou um sintoma bastante claro, é o aspecto de morte com o qual a pessoa se reveste, ela parece “morta”, perde sua vitalidade. Todas os comportamentos cotidianos que mantêm nossa vitalidade, como dormir, comer etc. podem ficar comprometidos.

Você deve ter percebido que fiz uma diferenciação entre depressão pós-parto e tristeza materna. Toda mulher vive, dada a circunstância de mudanças radicais na vida que a chegada de um bebê traz, uma TRISTEZA. Esta diferenciação é importante porque corremos o risco de chamar de depressão qualquer manifestação de tristeza que pode surgir no pós-parto. Se olharmos com cuidado pra este momento delicado e intenso na vida da mulher, vemos que é absolutamente compreensível que esta mulher viva uma espécie de luto após a chegada de um bebê em sua vida. Este luto faz sentido como sendo um momento de elaboração. Há sentimentos de medo, insegurança, tristeza, angústia, raiva... mas permanece ainda assim uma esperança, mesmo que turva, de que as coisas podem mudar, mesmo a pessoa não sabendo ao certo como se darão, ou como realizar estas mudanças.

Esses sentimentos em geral não são aceitos, pois se acredita que a recém-mãe deve estar em um estado de “graça”, de “perfeita alegria”, e toda essa gama de sentimentos que de fato surgem, e são extremamente comuns, entra em choque com a visão idealizada da mãe perfeita em relação com seu bebê. Acredito que essa é uma mudança radical no senso comum.

Enxergar nesta tristeza uma doença, tanto os outros como ela própria, é justamente dificultar (e no pior das hipóteses impossibilitar) que esta mulher se despeça daquilo que não mais pode ser como era, elabore o que vive e busque encaminhamentos para sua vida. Não aceitar como possível aquilo que ela verdadeiramente sente, ou entender o que sente como “inadequado” é uma das formas inclusive de gerar uma depressão. Se lhe é permitido, aos poucos e no seu tempo, aceitar o que vive e sente como sendo possível, e que tem um sentido (sempre tem!) ela muito provavelmente encontrará potência para as mudanças necessárias em sua vida, porque ser como ela é, antes de mais nada, é possível.

2) Quanto tempo dura?

A depressão dura o tempo que a pessoa continuar morta para sua vida. Uma depressão deve ser cuidada. Ela não é do âmbito do puramente biológico, como muitas vezes lidamos com uma gripe, que tem prazo pra acabar. Cada pessoa vai viver isto de forma particular e única. É importante respeitar este tempo próprio de cada pessoa, num acompanhamento atento e cuidadoso dos movimentos que ela é capaz de fazer na vida, à medida que vai entrando em contato consigo mesma e com os sentidos implicados na sua depressão.

A tristeza é um sentimento que nos acompanha na vida, em alguns momentos especiais, não é? Sua expressão no pós-parto talvez seja mais forte no início, ou em momentos em que a delicadeza das nossas experiências nos fazem ficar mais sensíveis. Se ela for acolhida e compreendida, ela é suportável.

3) Muitas mães procuram as psicólogas?

Algumas procuram, por este momento da vida ser bastante mobilizador. É um momento de muitas mudanças, e quando se está de mudança, muitos aspectos da vida precisam encontrar um novo lugar, uma nova forma de se darem, o que muitas vezes é difícil e dolorido. Para dar alguns exemplos do que pode entrar em questão neste momento: A relação consigo e com os outros, estes outros sendo seus pais, marido, sogros, amigos; a relação com o trabalho, com seus projetos de vida, seu próprio corpo, seu ritmo de vida, seus desejos, anseios e necessidades entre muitos outros.

Outras mães acabam procurando psicólogos pela intensidade do momento, por o que tornar-se mãe provoca na experiência de vida da mulher. Isso pode favorecer uma aproximação das mulheres consigo mesmas, e o pós-parto pode “inaugurar” novos tempos pra mulher que quer estar mais próxima de si e de suas escolhas.

Os grupos de pós-parto ajudam muito, pois as mulheres expressam seus sentimentos, desmistificam muitas “verdades” construídas a respeito de como devem ser mães e como são os bebês, trocam “dicas” práticas que ajudam nos momentos difíceis, e apaziguam a solidão muito presente neste momento. Os laços construídos entre elas na maior parte das vezes é tão forte que se formam amizades, turmas. É uma troca muito rica e amorosa.

4) A DPP pode ter sequelas graves?

Se ela não for elaborada, sim. Ela pode comprometer relações importantes na vida dessas mulheres, e agravar. Pode dificultar que ela encontre formas de estabelecer um vínculo e envolvimento com seu bebê. Porém, muitas vezes uma depressão pode também ser um gatilho para muitas mudanças potentes na vida, vai depender de como a depressão puder ser acolhida em sua vida, como uma oportunidade de entrar em contato com ela mesma, ou como uma forma de alienação de si mesma.

5) Como nestes casos evitar que a mãe "se irrite" com o bebê?

A irritação precisa primeiro encontrar “permissão” de existir para esta mulher. Se a mulher aceita que a irritação lhe diz algo sobre si mesma e sobre a situação na qual se encontra, ela consegue procurar saídas para ela, e encontrar formas de compreender e de lidar com a irritação, e encontrar soluções. A irritação também faz parte da maternidade, o problema é ela virar a única ou a principal forma de relação possível entre esta mulher e este bebê. A irritação sinaliza a necessidade de mudanças, neste sentido ela é positiva. Se ela não for acolhida, ela não deixa de existir. Ela insiste.

6) Tem tratamento? Quanto tempo dura?

Sim tem tratamento. Se a mulher puder encontrar espaço pra se expressar e dar sentido ao que vive e sente, ir compreendendo o que está implicado nesta sua experiência, ela sai da depressão. Durará o tempo da pessoa poder encontrar saídas próprias para sua vida, e encontrar vitalidade na própria experiência, lembrando o paralelo que fiz com o luto.

7) Neste grupo que você atende quais os casos mais frequentes de DPP?

Não são tão comuns quanto pode parecer. Infelizmente diagnosticam depressão muito mais do que se deveria. Ressalto que o grupo não é só para mulheres com depressão, ele é aberto a todas que vivem o pós parto, deprimidas ou não. Diria que a grande maioria da mulheres precisa de apoio neste momento de suas vidas.

Na minha experiência, tanto nos grupos quanto no consultório, o que vejo é que mulheres que viveram uma morte de alguém próximo antes ou depois do parto pode levar uma pessoa a uma depressão mais grave.

8) Você fundou este grupo por alguma estatística de mulheres que precisam de ajuda?

Não. Eu mesma vivi o pós-parto depois do nascimento do meu filho, e senti na pele que este é um momento difícil e delicado na vida de uma mulher. No meu contato com outras recém mães, percebi que abrir este espaço de troca entre mulheres na mesma situação ajuda muito a atravessar este momento de uma forma menos dura e mais criativa.

9) Qual a sua orientação para a mãe que está passando por este momento?

Primeiro, poder acolher o que sente como algo possível, e acreditar que todo este sofrimento tem um sentido, mesmo que este sentido não esteja claro. O que num primeiro momento pode lhe parecer inadequado, feio, louco não é mero acaso, defeito ou falha da mulher... e buscar ajuda se isto estiver muito difícil. O que eu acho bonito num acompanhamento terapêutico é isso: com o cuidado do outro, no caso o psicólogo, a mulher vai encontrar caminhos pra resgatar este sentido para sua vida que se perdeu. As saídas deste buraco vão se mostrar com o tempo, e com a compreensão. No final, é isso, a amorosidade e a compreensão é que restabelecem a esperança perdida, e dão condições para a nova mãe enxergar suas saídas.


Grupo de Pós-Parto com a Cris Toledano.
Todas as segundas, das 14h às 16h, no Espaço Nascente.

Investimento: 20 reais