Respostas às perguntas da jornalista Karla Peralto para matéria sobre
pós parto da revista Guia da mamãe, 1a edição, editora Casadois - 16/02/2011
1) Quais os sintomas e motivos para uma
Depressão Pós Parto?
Antes
de mais nada, gostaria de esclarecer que a depressão pós-parto é apenas uma das
condições que podem ser vividas neste período delicado e extremamente rico do
ponto de vista das emoções e questionamentos. É normal que uma mulher viva
algum sofrimento e precise de ajuda nesta situação onde tudo é tão novo e
mobilizador. Infelizmente, muitas das dificuldades ainda são vistas como
“tabu”, pela mulher e pela sociedade.
A
depressão é uma das expressões humanas do sofrimento. Ela caracteriza o momento
quando aquilo que alguém vive perde o sentido, e por isso, este alguém não
encontra mais possibilidade de dar encaminhamento à sua vida. Ou seja, aquilo
que era em sua vida até então não mais pode ser, e por isso a pessoa em
depressão não encontra qualquer possibilidade de ser. Neste sentido, a
depressão é a expressão de um modo de ser restrito, “aprisionado”, a um aspecto
da vida que não pode mais ser vivido. A própria palavra traz uma imagem desta
experiência: Estou num buraco, não vejo saída, e não acredito que isso possa
mudar.
A
chegada de um bebê implica necessariamente mudanças, é uma experiência intensa,
principalmente para a mulher, em que muitas possibilidades de expressão de seu
modo de viver, das quais lhe eram familiares, não mais “cabem”, não mais podem
ser como eram. É uma experiência que podemos fazer um paralelo a um luto, e na
depressão este luto é vivido pela pessoa como “sem fim”. O que diferencia uma
depressão pós-parto e uma tristeza legítima ao momento de grandes mudanças é um
profundo sentimento de impossibilidade que a mulher vive de seguir adiante,
pois aquele aspecto de sua vida “morreu”, então, ela morre junto. Uma forma
direta de enxergar isto, ou um sintoma bastante claro, é o aspecto de morte com
o qual a pessoa se reveste, ela parece “morta”, perde sua vitalidade. Todas os
comportamentos cotidianos que mantêm nossa vitalidade, como dormir, comer etc.
podem ficar comprometidos.
Você
deve ter percebido que fiz uma diferenciação entre depressão pós-parto e
tristeza materna. Toda mulher vive, dada a circunstância de mudanças radicais
na vida que a chegada de um bebê traz, uma TRISTEZA. Esta diferenciação é
importante porque corremos o risco de chamar de depressão qualquer manifestação
de tristeza que pode surgir no pós-parto. Se olharmos com cuidado pra este
momento delicado e intenso na vida da mulher, vemos que é absolutamente
compreensível que esta mulher viva uma espécie de luto após a chegada de um
bebê em sua vida. Este luto faz sentido como sendo um momento de elaboração. Há
sentimentos de medo, insegurança, tristeza, angústia, raiva... mas permanece
ainda assim uma esperança, mesmo que turva, de que as coisas podem mudar, mesmo
a pessoa não sabendo ao certo como se darão, ou como realizar estas mudanças.
Esses sentimentos em geral não são aceitos, pois se acredita que a
recém-mãe deve estar em um estado de “graça”, de “perfeita alegria”, e toda
essa gama de sentimentos que de fato surgem, e são extremamente comuns, entra
em choque com a visão idealizada da mãe perfeita em relação com seu bebê.
Acredito que essa é uma mudança radical no senso comum.
Enxergar nesta tristeza uma doença, tanto os outros como ela própria, é
justamente dificultar (e no pior das hipóteses impossibilitar) que esta mulher
se despeça daquilo que não mais pode ser como era, elabore o que vive e busque
encaminhamentos para sua vida. Não aceitar como possível aquilo que ela
verdadeiramente sente, ou entender o que sente como “inadequado” é uma das
formas inclusive de gerar uma depressão. Se lhe é permitido, aos poucos e no
seu tempo, aceitar o que vive e sente como sendo possível, e que tem um sentido
(sempre tem!) ela muito provavelmente encontrará potência para as mudanças
necessárias em sua vida, porque ser como ela é, antes de mais nada, é possível.
2) Quanto tempo dura?
A
depressão dura o tempo que a pessoa continuar morta para sua vida. Uma
depressão deve ser cuidada. Ela não é do âmbito do puramente biológico, como
muitas vezes lidamos com uma gripe, que tem prazo pra acabar. Cada pessoa vai
viver isto de forma particular e única. É importante respeitar este tempo
próprio de cada pessoa, num acompanhamento atento e cuidadoso dos movimentos
que ela é capaz de fazer na vida, à medida que vai entrando em contato consigo
mesma e com os sentidos implicados na sua depressão.
A
tristeza é um sentimento que nos acompanha na vida, em alguns momentos
especiais, não é? Sua expressão no pós-parto talvez seja mais forte no início,
ou em momentos em que a delicadeza das nossas experiências nos fazem ficar mais
sensíveis. Se ela for acolhida e compreendida, ela é suportável.
3)
Muitas mães procuram as psicólogas?
Algumas
procuram, por este momento da vida ser bastante mobilizador. É um momento de
muitas mudanças, e quando se está de mudança, muitos aspectos da vida precisam
encontrar um novo lugar, uma nova forma de se darem, o que muitas vezes é
difícil e dolorido. Para dar alguns exemplos do que pode entrar em questão
neste momento: A relação consigo e com os outros, estes outros sendo seus pais,
marido, sogros, amigos; a relação com o trabalho, com seus projetos de vida,
seu próprio corpo, seu ritmo de vida, seus desejos, anseios e necessidades
entre muitos outros.
Outras
mães acabam procurando psicólogos pela intensidade do momento, por o que
tornar-se mãe provoca na experiência de vida da mulher. Isso pode favorecer uma
aproximação das mulheres consigo mesmas, e o pós-parto pode “inaugurar” novos
tempos pra mulher que quer estar mais próxima de si e de suas escolhas.
Os
grupos de pós-parto ajudam muito, pois as mulheres expressam seus sentimentos,
desmistificam muitas “verdades” construídas a respeito de como devem ser mães e
como são os bebês, trocam “dicas” práticas que ajudam nos momentos difíceis, e
apaziguam a solidão muito presente neste momento. Os laços construídos entre
elas na maior parte das vezes é tão forte que se formam amizades, turmas. É uma
troca muito rica e amorosa.
4) A DPP pode ter sequelas graves?
Se
ela não for elaborada, sim. Ela pode comprometer relações importantes na vida
dessas mulheres, e agravar. Pode dificultar que ela encontre formas de
estabelecer um vínculo e envolvimento com seu bebê. Porém, muitas vezes uma
depressão pode também ser um gatilho para muitas mudanças potentes na vida, vai
depender de como a depressão puder ser acolhida em sua vida, como uma
oportunidade de entrar em contato com ela mesma, ou como uma forma de alienação
de si mesma.
5) Como nestes casos evitar que a mãe
"se irrite" com o bebê?
A
irritação precisa primeiro encontrar “permissão” de existir para esta mulher.
Se a mulher aceita que a irritação lhe diz algo sobre si mesma e sobre a
situação na qual se encontra, ela consegue procurar saídas para ela, e
encontrar formas de compreender e de lidar com a irritação, e encontrar
soluções. A irritação também faz parte da maternidade, o problema é ela virar a
única ou a principal forma de relação possível entre esta mulher e este bebê. A
irritação sinaliza a necessidade de mudanças, neste sentido ela é positiva. Se
ela não for acolhida, ela não deixa de existir. Ela insiste.
6)
Tem tratamento? Quanto tempo dura?
Sim
tem tratamento. Se a mulher puder encontrar espaço pra se expressar e dar
sentido ao que vive e sente, ir compreendendo o que está implicado nesta sua
experiência, ela sai da depressão. Durará o tempo da pessoa poder encontrar
saídas próprias para sua vida, e encontrar vitalidade na própria experiência,
lembrando o paralelo que fiz com o luto.
7)
Neste grupo que você atende quais os casos mais frequentes de DPP?
Não
são tão comuns quanto pode parecer. Infelizmente diagnosticam depressão muito
mais do que se deveria. Ressalto que o grupo não é só para mulheres com
depressão, ele é aberto a todas que vivem o pós parto, deprimidas ou não. Diria
que a grande maioria da mulheres precisa de apoio neste momento de suas vidas.
Na
minha experiência, tanto nos grupos quanto no consultório, o que vejo é que
mulheres que viveram uma morte de alguém próximo antes ou depois do parto pode
levar uma pessoa a uma depressão mais grave.
8)
Você fundou este grupo por alguma estatística de mulheres que precisam de
ajuda?
Não.
Eu mesma vivi o pós-parto depois do nascimento do meu filho, e senti na pele
que este é um momento difícil e delicado na vida de uma mulher. No meu contato
com outras recém mães, percebi que abrir este espaço de troca entre mulheres na
mesma situação ajuda muito a atravessar este momento de uma forma menos dura e
mais criativa.
9)
Qual a sua orientação para a mãe que está passando por este momento?
Primeiro, poder acolher o que sente como algo
possível, e acreditar que todo este sofrimento tem um sentido, mesmo que este
sentido não esteja claro. O que num primeiro momento pode lhe parecer
inadequado, feio, louco não é mero acaso, defeito ou falha da mulher... e
buscar ajuda se isto estiver muito difícil. O que eu acho bonito num
acompanhamento terapêutico é isso: com o cuidado do outro, no caso o psicólogo,
a mulher vai encontrar caminhos pra resgatar este sentido para sua vida que se
perdeu. As saídas deste buraco vão se mostrar com o tempo, e com a compreensão.
No final, é isso, a amorosidade e a compreensão é que restabelecem a esperança
perdida, e dão condições para a nova mãe enxergar suas saídas.
Grupo
de Pós-Parto com a Cris Toledano.
Todas
as segundas, das 14h às 16h, no Espaço Nascente.
Investimento: 20 reais